Página 900 do caderno "Publicações Judiciais I - Capital SP" (TRF3) do Tribunal Regional Federal 3ª Região de 23 de April de 2020
TEMPO ESPECIAL. MOTORISTA E OPERADOR DE GUILHOTINA EM INDÚSTRIA GRÁFICA. CATEGORIAS PROFISSIONAIS. POSSIBILIDADE ATÉ 28/04/1995. DEMAIS VÍNCULOS. AGENTE RUÍDO. PROFISSIOGRAFIA SEM RESPONSÁVEL PELAS MEDIÇÕES. AUSENTE A DATA DE CONFECÇÃO. AFASTAMENTO. TEMPO INSUFICIENTE. PEDIDO DE REAFIRMAÇÃO DA DER. POSTERIOR ALCANCE DOS 35 ANOS DE CONTRIBUIÇÃO. ACOLHIMENTO. PARCIAL PROCEDÊNCIA. MIGUEL BARLETTA MARTUCCI , nascido em 06/01/1964, propôs a presente ação, em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), pleiteando a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição NB: 176.761.780-9, com recebimento de atrasados desde a DER: 20/04/2016 (fl. 86[i]). Juntou procuração e documentos (fls. 16-210). Alega a existência de períodos especiais não computados junto às empregadoras Uniservice Indústrias Gráficas Ltda (de 01/11/1986 a 27/07/1989 e de 01/02/1990 a 28/01/1997), Pampress Escritório de Administração Ltda (de 01/08/1997 a 17/08/2003) e Filipress Serviços Gráficos Ltda (de 01/04/2004 a 16/08/2008). Na via administrativa, num primeiro momento, reconheceu-se a especialidade dos períodos de 01/11/1986 a 27/07/1989 e de 01/04/2004 a 16/04/2008 (fls. 102 e 207). Contudo, após recurso administrativo, a autarquia previdenciária alcançou o afastamento de ambos os lapsos temporais. Não há, portanto, período especial computado no processo administrativo (fls. 200-202). Há pedido expresso de reafirmação da DER (fl. 14). Intimou-se a parte autora a trazer ao feito declaração de pobreza, para fins de apreciação do pedido de concessão de justiça gratuita. A mesma decisão determinou a citação do INSS O INSS apresentou contestação (fls. 216-226). Intimada (fl. 234), a parte autora apresentou réplica (fls. 236-241). Em decisão fundamentada, foi afastada a necessidade de produção de prova oral (fls. 253-254). A parte autora aduziu não ter mais provas a produzir (fl. 255). Foi determinada abertura de conclusão para prolação de sentença (fl. 258). É o relatório. Passo a decidir. Da prescrição Formulado o requerimento administrativo do benefício em 20/04/2016 (DER) e ajuizada a ação perante este juízo em 09/03/2018, não há parcelas atingidas pela prescrição, nos termos do art. 103, parágrafo único, da Lei 8.213/91. Do mérito Na via administrativa, o INSS reconheceu tempo comum total de contribuição 31 anos, 03 meses e 21 dias de tempo de contribuição comum, conforme simulação de contagem (fl. 86). Não há controvérsia sobre os vínculos de emprego com as empresas nas quais se requer o reconhecimento de tempo especial, pois anotados no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS na data do ajuizamento e computados como tempo comum na contagem administrativa. A disputa reside no reconhecimento de sua especialidade. Passo a apreciar o tempo especial. Em matéria de comprovação de tempo especial, deve-se aplicar a legislação vigente à época da prestação de serviço, pois a incorporação do tempo de serviço ocorre dia a dia, mês a mês, e não apenas quando do requerimento do benefício. Se o trabalhador esteve exposto a agentes nocivos e a empresa preencheu corretamente a documentação segundo a lei então vigente, não pode o INSS negar-lhe a concessão do benefício, fazendo retroagir exigências inexistentes na época da prestação de serviços. Em parte do período em que a parte autora pretende reconhecer como especial, o enquadramento dava-se de acordo com a atividade profissional do segurado ou pela exposição do segurado a agentes nocivos. O Poder Executivo expedia um Anexo ao Regulamento de Benefícios da Previdência Social, no qual constava a lista das atividades profissionais e os agentes considerados nocivos (Decretos n.º 53.831/64 e 83.080/79). O Anexo ao Decreto n.º 53.831/64 foi contemplado expressamente com status de lei pela Lei nº 5.527/68. No referido período, bastava a comprovação do exercício da atividade que havia presunção legal do tempo especial. Com a vigência da Lei 9.032/95, passou-se a exigir a efetiva exposição aos agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou associação de agentes, de forma habitual e permanente, não ocasional nem intermitente (arts. 57 e 58 da Lei 8.213/91). O novo diploma pôs fim à presunção legal, passando a exigir prova de fato da exposição habitual e permanente aos agentes nocivos. Em resumo: a) até 28/04/1995, admite-se o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calo); b) a partir de 29/04/1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05/03/1997, a partir de quando passou a ser pressuposto obrigatório a prova por meio de laudo técnico. A comprovação da exposição ao agente físico ruído sempre demandou apresentação de laudo técnico, mesmo para o período anterior à Lei 9.032/95. Assim, o ruído exige a efetiva comprovação à exposição acima dos patamares estabelecidos na legislação de regência. O limite de tolerância ao ruído necessário à configuração do tempo especial foi estabelecido pela jurisprudência nos seguintes níveis: acima de 80 dB até 05/03/1997 com base no Decreto nº 53.831/64; a partir de 06/03/1997, acima de 90 dB, nos termos do Decreto nº 2.172/97; por fim, a partir 19/11/2003, com fundamento no Decreto nº 4.882/03, o limite passou a ser acima de 85 dB. O Superior Tribunal de Justiça – STJ firmou entendimento neste sentido quando do julgamento do Resp nº 1398260-PR, em 14/05/2014, em recurso repetitivo, com a seguinte tese: “O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 db no período de 06/03/97 a 18/11/2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível a aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 db, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex LICC).” Ainda quanto ao agente ruído, a simples informação constante no Perfil Profissiográfico Previdenciário - PPP sobre uso de Equipamento de Proteção Individual - EPI não é suficiente para afastar a nocividade da exposição ao agente nocivo em análise. O Colendo Supremo Tribunal Federal – STF, no RE nº 664.335, julgado em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, reconheceu não existir, no atual desenvolvimento da técnica, EPI eficiente para afastar os malefícios do ruído para saúde do trabalhador. Nesse sentido destaco jurisprudência relativa ao tema: “PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. REVISIONAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. CHUMBO. OBSERVÂNCIA DA LEI VIGENTE À ÉPOCA PRESTAÇÃO DA ATIVIDADE. EPI EFICAZ. MULTIPLICIDADE DE TAREFAS. I - No julgamento do Recurso Extraordinário em Agravo (ARE) 664335, em 04.12.2014, com repercussão geral reconhecida, o E. STF fixou duas teses para a hipótese de reconhecimento de atividade especial com uso de Equipamento de Proteção Individual, sendo que a primeira refere-se à regra geral que deverá nortear a análise de atividade especial, e a segunda refere-se ao caso concreto em discussão no recurso extraordinário em que o segurado esteve exposto a ruído, que podem ser assim sintetizadas: II - Tese 1 - regra geral: O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo à concessão constitucional de aposentadoria especial. III - Tese 2 - agente nocivo ruído: Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para a aposentadoria especial, tendo em vista que no cenário atual não existe equipamento individual capaz de neutralizar os malefícios do ruído, pois que atinge não só a parte auditiva, mas também óssea e outros órgãos.(...) (APELREEX 00072072020124036108, DESEMBARGADOR FEDERAL SERGIO NASCIMENTO, TRF3 - DÉCIMA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/05/2016)” – Grifei. Por fim, formulários, laudos e PPPs não precisam ser contemporâneos aos vínculos, uma vez certificado nos documentos a ausência de alteração nas condições ambientais de trabalho desde a prestação dos serviços até a data de monitoração ambiental, conforme entendimento da jurisprudência (AC 00016548220154036141, Décima Turma, Relator Desembargador Federal SÉRGIO NASCIMENTO, j. 27.09.2016). Com relação a agentes químicos, até a edição atual do Decreto 3.048/99, a valoração da presença dos agentes nocivos na rotina laboral deve ser feita exclusivamente sob o crivo qualitativo. Deve-se avaliar, a partir da profissiografia e dos dados técnicos disponíveis, se o agente agressivo era de fato encontrado no ambiente de trabalho (e não, por exemplo, presente apenas em concentrações ínfimas), e se o trabalhador estava exposto com habitualidade e permanência. DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO Data de Divulgação: 23/04/2020 900/1874